Articaína: qual o segredo da sua eficácia?

Articaína: qual o segredo da sua eficácia?

A articaína foi, e ainda é, o primeiro e único anestésico local sintetizado exclusivamente para uso odontológico. Ela é usada na Europa desde a década de 70 (1976) associada com epinefrina 1:100.000 ou 1:200.000. No Brasil, ela começou a ser comercializada em 1999 e foi só em 2000 que a FDA aprovou a articaína para uso nos EUA. Desde então, ela tem se tornado cada vez mais popular no mercado americano, seguindo o padrão de países como Alemanha, Bulgária, Canadá e França. Na Alemanha, por exemplo, a articaína é o anestésico local mais usado há décadas e tinha cerca de 95% do mercado em 2010. É o segundo anestésico local mais usado no mundo, com cerca de 600.000.000 tubetes fabricados anualmente. 

Vários estudos e revisões avaliaram a eficácia da articaína versus lidocaína (e outras moléculas) para anestesia pulpar. O que se observa é que a articaína é capaz de se difundir através dos tecidos moles e duros de forma mais eficaz do que outros sais usados nas diversas formulações de anestésicos locais. Além disso, clinicamente, a articaína é capaz de promover a anestesia dos tecidos moles palatinos após a infiltração vestibular maxilar, o que elimina a necessidade da traumática injeção palatina.

O segredo do sucesso da articaína está em sua estrutura química: é uma molécula híbrida. Isso significa que, além de ter um radical do grupo amida na sua estrutura, ela tem também um radical do grupo éster. E, somada a essa particularidade, a articaína é o único anestésico local que possui um anel de tiofeno em vez de um benzeno na sua porção lipofílica. Isso permite maior lipossolubilidade e potência de difusão através das membranas neuronais, o que torna a articaína um anestésico ímpar. 

Ao contrário dos demais anestésicos locais do grupo das amidas, apenas 10% da articaína sofre biotransformação hepática lenta, enquanto 90% é hidrolisada rapidamente no plasma sanguíneo (via esterases plasmáticas inespecíficas). A biotransformação da articaína leva à formação majoritária de um metabólito inativo, o ácido articaínico, e é independente de idade (crianças a idosos). Essa rápida inativação plasmática confere à articaína uma meia-vida curta de aproximadamente 20 minutos, o que leva a uma ampla faixa terapêutica e baixa toxicidade sistêmica. A lidocaína, por outro lado, tem metabólitos ativos e uma meia-vida de eliminação de cerca de 100 minutos. É importante lembrar que o tempo de duração da anestesia não tem a ver com a meia-vida. O anestésico é efetivo enquanto houver quantidade suficiente da molécula no tecido-alvo. Sua ação clínica termina uma vez que o anestésico se difunda do tecido-alvo para os capilares e veias ao redor.

Trazendo essas informações para a prática clínica, a articaína seria um sal de excelente escolha para pacientes doença hepática, por exemplo, em detrimento da lidocaína, uma vez que esse último sal depende fortemente do fluxo sanguíneo hepático para sua inativação. Sua meia-vida e rápida eliminação total do corpo também é importante para o uso seguro em pacientes lactantes. Outros benefícios relatados com o uso da articaína é maior taxa de sucesso tanto na técnica infiltrativa quanto no bloqueio de nervo, maior tempo de duração do efeito anestésico e menor volume necessário para atingir o efeito desejado. Essas vantagens são atribuídas ao anel de tiofeno presente na estrutura química da articaína, que é lipossolúvel e permite uma difusão mais facilitada, inclusive através da placa cortical espessa do osso mandibular. 

No Brasil, a articaína é comercializada em duas apresentações, ambas associadas a epinefrina, uma na diluição 1:100.000 e outra na diluição 1:200.000. Nas especialidades cirúrgicas – como a cirurgia bucomaxilofacial, implantodontia -, a necessidade de uma visualização limpa do campo cirúrgico e menos sangramento exige uma concentração mais alta de vasoconstritor e, por isso, o uso da articaína com epinefrina 1:100.000 é altamente indicado. No entanto, com o aumento do número de pacientes com algum comprometimento sistêmico, soluções com redução de epinefrina devem ser consideradas com mais frequência, e a articaína associada à epinefrina 1:200.000 é uma excelente alternativa para esses casos. 

Rayssa Justo

Especialista de produtos na DFL

Biomédica Pesquisadora Toxicologista

 

Referências:

DARAWADE, Dattatraya A. et al. A clinical study of efficacy of 4% articaine hydrochloride versus 2% lignocaine hydrochloride in dentistry. Journal of International Oral Health: JIOH, v. 6, n. 5, p. 81, 2014.

HALLING, Frank; NEFF, Andreas; ZIEBART, Thomas. Local anesthetic usage among dentists: German and international data. Anesthesia progress, v. 68, n. 1, p. 19-25, 2021.

HASSAN, Shahid et al. Efficacy of 4% articaine hydrochloride and 2% lignocaine hydrochloride in the extraction of maxillary premolars for orthodontic reasons. Annals of maxillofacial surgery, v. 1, n. 1, p. 14, 2011.

MALAMED, Stanley F. Handbook of local anesthesia-e-book. Elsevier health sciences, 2019.

ST GEORGE, Geoffrey et al. Injectable local anaesthetic agents for dental anaesthesia. Cochrane Database of Systematic Reviews, n. 7, 2018.



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