24 jan Implante Zigomático com Anestesia Local
Parâmetros Anestésicos Baseados em Evidência Científica e Bom Senso Clínico
Existe uma grande crença de que toda cirurgia de implante zigomático precisa obrigatoriamente ser com anestesia geral. No passado, sim. Hoje não mais.
A evolução da técnica cirúrgica, somada à uma correta técnica anestésica e à uma solução anestésica corretamente selecionada, tem propiciado uma verdadeira quebra desse paradigma.
O principal fator que o cirurgião precisa ter em mente ao realizar implantes zigomáticos com anestesia local é que ele deve estar preparado para utilizar grandes volumes anestésicos, sempre respeitando os limites de segurança. A assertividade anestésica é fator crítico.
Mesmo assim, recomendamos a todos que iniciam seus primeiros casos de implantes zigomático que, preferencialmente, comecem com a anestesia geral, por um simples motivo: diante de uma cirurgia com anestesia local, a sua atenção é sempre dividida entre o paciente e a cirurgia. Sempre que estamos aprendendo algo novo a carga cognitiva é maior. Como se trata de um procedimento avançado de cirurgia, nada melhor do que poder focar exclusivamente no campo cirúrgico.
Tratando-se de implante zigomático com anestesia local, é prudente que a indicação principal seja para os casos de All-on-4 Híbrido, em que são instalados dois implantes convencionais no rebordo residual anterior da maxila e dois implantes zigomáticos.
Então, para que esses procedimentos sejam realizados de forma segura, é essencial que obedeçamos a alguns critérios:
1- Seleção e Orientação do Paciente
Quanto à seleção do paciente, indivíduos extremamente ansiosos, com necessidades especiais por conta de falta de controle de condições sistêmicas (hipertensão sem controle, angina instável, arritmias por exemplo), e/ou casos de carga imediata bimaxilar são melhor atendidos com anestesia geral (ou sedação endovenosa com assistência do médico anestesista em casos pontuais).
Mesmo com anestesia local, temos que compreender que o paciente poderá experimentar alguma trepidação das longas brocas do implante zigomático, e alguns tendem a tolerar menos essas percepções. Além da cirurgia, há também as etapas protéticas de união dos transferes e de moldagem. Por mais que a fase cirúrgica tenha sido finalizada, nesse momento a não-cooperação do paciente pode atrapalhar.
2- Controle da ansiedade
Para otimizar a segurança e o bem estar deles, nos casos de implante zigomático com anestesia local, é fundamental controlarmos a ansiedade. Em praticamente 100% dos casos utilizamos o midazolam 15mg. Esse benzodiazepínico tem algumas características interessantes para o tipo de cirurgia que nos propomos a fazer, como um rápido inicio de ação e efeitos que duram por volta de 2 a 3 horas, o que é exatamente o tempo do procedimento cirúrgico. Adicionalmente, essa medicação comumente gera amnésia nos pacientes, o que pode ser algo positivo se tratando de um procedimento longo, e diminui a salivação e o reflexo ao vômito.
Sendo a anestesia local a fase mais crítica de uma cirurgia oral, nossa rotina é ministrar a medicação ao paciente 1 hora antes do procedimento para que ele já esteja sedado durante o ato anestésico.
3- Seleção anestésica
Quanto ao sal anestésico, idealmente devemos utilizar a Articaína ou Mepivacaína. Por conta do tempo cirúrgico, iremos sempre utilizar soluções com vasoconstritor. Nosso vasoconstritor de eleição é a epinefrina.
Jamais utilize noradrenalina (norepinefrina). Por conta da vasoconstrição intensa que esse vasoconstritor provoca, existe um alto potencial de complicações locais, como necroses teciduais e também de aumento súbito da pressão arterial.
Esse sal anestésico indicado está comercialmente disponível em associação à concentrações de epinefrina de 1:100.000 e 1:200.000. Por mais que as concentrações maiores, como 1:100.000, sejam as mais populares e se pensem que essas possuem melhores desempenhos, clinicamente não se observa tal situação. Existe evidência de as concentrações menores não mostram desvantagens significantes em tempo, profundidade anestésica e hemostasia [1-3], além do potencial de miotoxicidade da epinefrina ser proporcional à sua concentração na solução anestésica [4]. Portanto, recomendamos como rotina o emprego de soluções anestésicas com diluições de epinefrina 1:100:000 e, preferencialmente, 1:200.000.
Vale lembrar que não existem motivos para utilizar dosagem de vasoconstritores tão concentrados como 1.50.000 em Odontologia, normalmente em combinação com o sal de Lidocaína.
Caso o paciente tenha qualquer comprometimento de saúde que o impeça de receber esse tipo de anestésico ou vasoconstritor, a indicação é anestesia geral, pois iremos comumente administrar doses próximas à máxima de anestésico.
4- Dose anestésica
A dose anestésica local é um dos pontos a se atentar. É preciso observar que usaremos a quantidade rotineira de anestésico local de um protocolo maxilar mais uma quantidade de anestésico em cada zigoma, o que pode potencialmente exceder a dose máxima recomendada.
Em pacientes saudáveis, quando utilizamos a concentração de epinefrina de 1:100.000 ou a 1:200.000, a dose máxima da solução anestésica se dará pela dosagem máxima do sal anestésico, que no caso da Articaína seria de 7 mg/Kg do paciente.
A administração de 8 tubetes de solução anestésica contendo epinefrina 1:100.000 pode produzir uma concentração plasmática de epinefrina equivalente a que está presente durante atividade física pesada [6]. Com isso, a reflexão: será que aquela paciente de 75 anos de idade apresenta plenitude corporal suficiente a ponto de realizar atividade física intensa?
Diante de situações como esta temos 4 estratégias para minimizar os riscos:
- Controle da ansiedade. Nunca devemos esquecer que, além da epinefrina que estamos injetando, existe a produção de epinefrina endógena que pode ser alta o suficiente para provocar súbito aumento da pressão arterial. O ato anestésico simulado provoca aumento da pressão arterial [7]. Daí a importância de um efetivo controle da ansiedade pré e transoperatória, seja com métodos medicamentosos ou não medicamentosos.
- Utilizar concentrações mais diluídas de epinefrina. Utilizando uma concentração de epinefrina 1:200.000, levando em consideração a dose máxima deste vasoconstritor, o dobro do número de tubetes poderia ser utilizado em relação a utilização 1:100.000. Comparando-se as alterações cardiovasculares é perceptível que quando se utiliza solução anestésica com epinefrina 1:100.000 as alterações cardiovasculares são maiores do que quando se utiliza epinefrina 1:200.000 [8], porém ambas apresentam a mesma eficácia clínica [9]. Na verdade, na concentração de 1:200.000 a dose máxima será limitada pelo sal anestésico, o qual atingirá a dose máxima em relação ao peso corporal antes do vasoconstritor, que no caso de pacientes saudáveis será 22 tubetes, já para pacientes cardiopatas representará 4 tubetes.
- Anestesiar lentamente e por etapas. Evitar a anestesia “em bolus” onde a injeção se dá muito rapidamente, um tubete após o outro, sequencialmente sem intervalo. Ao iniciar o procedimento não precisamos de imediato anestesiar a maxila e os 2 zigomas. Vamos anestesiar somente a maxila, fazer todo o descolamento e instalar os implantes anteriores. Após isso vamos anestesia um dos zigomas, instalar o primeiro implante zigomático, e aí sim vamos para o último zigoma. Dessa forma temos uma deposição mais gradativa da solução anestésica e não in bolus o que diminui a probabilidade de uma reação de superdosagem absoluta. Temos que ter em mente que a superdosagem também tem relação a velocidade de injeção. Os níveis séricos mudam completamente se você injetar 10 tubetes rapidamente um após o outro ou anestesiar 5 tubetes em um tempo, aguardar 40 minutos, injetar mais 2 tubetes, aguardar 40 minutos, injetar mais 2, aguardar mais 40 minutos e utilizar o último tubete.
- Evitar anestesia intraóssea. a injeção intraóssea de solução de epinefrina é utilizada como segunda opção a injeção endovenosa em tratamento de emergências médicas em virtude da substancial absorção sistêmica. Portanto, devemos priorizar outras técnicas em pacientes epinefrina sensíveis.
A velha máxima de que “devemos utilizar a menor dose efetiva” deve ser levada à risca em cirurgias de implante zigomático com anestesia local.
Apesar de ser possível fazer o cálculo de dose máxima da solução anestésica de “maneira cartesiana”, é importante salientar que estamos definindo um número estimado. Como a biologia não é uma ciência exata, é necessário não apenas estar embasado cientificamente, mas também ter bom senso, sendo fundamental conhecer nossos próprios limites, conseguir estimar nosso tempo cirúrgico e entender ao máximo a condição sistêmica do paciente.
Fernando Giovanella
Especialista em CTBMF
Mestre em Implantodontia
Autor ZIGOMA 2.0
1. Keesling, G.R. and E.C. Hinds, Optimal concentration of epinephrine in lidocaine solutions. J Am Dent Assoc, 1963. 66: p. 337-40.
2. Kennedy, W.F., Jr., et al., Cardiorespiratory effects of epinephrine when used in regional anesthesia. Acta Anaesthesiol Scand Suppl, 1966. 23: p. 320-33.
3. Dunlevy, T.M., T.P. O’Malley, and G.N. Postma, Optimal concentration of epinephrine for vasoconstriction in neck surgery. Laryngoscope, 1996. 106(11): p. 1412-4.
4. Yagiela, J.A., P.W. Benoit, and N.F. Fort, Mechanism of epinephrine enhancement of lidocaine-induced skeletal muscle necrosis. J Dent Res, 1982. 61(5): p. 686-90.
5. Meyer, R. and G.D. Allen, Blood volume studies in oral surgery. I. Operative and postoperative blood losses in relation to vasoconstrictors. J Oral Surg, 1968. 26(11): p. 721-6.
6. Cioffi, G.A., et al., The hemodynamic and plasma catecholamine responses to routine restorative dental care. J Am Dent Assoc, 1985. 111(1): p. 67-70.
7. Bronzo, A.L., et al., Felypressin increases blood pressure during dental procedures in hypertensive patients. Arq Bras Cardiol, 2012. 99(2): p. 724-31.
8. Hersh, E.V., et al., The pharmacokinetics and cardiovascular effects of high-dose articaine with 1:100,000 and 1:200,000 epinephrine. J Am Dent Assoc, 2006. 137(11): p. 1562-71.
9. Moore, P.A., et al., The anesthetic efficacy of 4 percent articaine 1:200,000 epinephrine: two controlled clinical trials. J Am Dent Assoc, 2006. 137(11): p. 1572-81.