Anestesia em idosos

Anestesia em idosos: cuidados antes, durante e após o procedimento

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de pessoas com idade superior a 60 anos chegará a 2 bilhões até 2050, representando cerca de um quinto da população mundial. Aqui no Brasil, a estimativa de crescimento da população idosa também é expressiva: o Ministério da Saúde estima que, em 2030, o número de idosos já terá superado o número de crianças entre zero e 14 anos.

O crescimento dessa faixa etária tem refletido, como esperado, em diversas áreas e serviços, inclusive no padrão da demanda por atendimento odontológico. Isso significa que cada vez mais pacientes da faixa etária superior a 65 anos de idade têm buscado os dentistas, comumente com interesses em recuperação da estética e da função, que podem ser tratados muitas vezes, por exemplo, com a instalação de implantes osseointegrados (MISCH, 2006). 

Como esses pacientes costumam relatar necessidades específicas, o cuidado com eles também deve ser diferenciado. Sendo assim, ao receber pacientes idosos no consultório, o primeiro passo é a realização da anamnese, etapa indispensável para que o profissional entenda a saúde geral e identifique as principais queixas do paciente (BARROS, 2002). Partindo do principio que, nessa faixa etária, é comum que os indivíduos apresentem condições de saúde próprias da idade, como redução da função hepática e renal, aumento da taxa de gordura corporal, doenças sistêmicas crônicas e uso de diversos medicamentos, torna-se necessário um cuidado redobrado do antes da realização de qualquer procedimento (DAMIÃO, SANTOS, FREIRE, MARCHINI, 2002). Nesse contexto, exames complementares podem ser solicitados caso surja alguma dúvida e para que, enfim, seja possível traçar um bom plano de tratamento. 

Quando o tratamento a ser executado necessita de anestesia local, o clínico tem a responsabilidade de avaliar alguns pontos importantes para a seleção da solução anestésica que será aplicada. Na Odontologia, os sais anestésicos, fármaco responsável pelo bloqueio temporário da sensação dolorosa, pertencem, quase que exclusivamente, ao grupo amida, representado pela lidocaína, mepivacaína, prilocaína, articaína e bupivacaína (FARIA, MARZOLA, 2001). Para escolher um deles corretamente, é importante estimar o tempo de duração do procedimento em si, considerar a condição de sistêmica do idoso e a quantidade de anestésico que deverá ser aplicada.

Já que o principal local de transformação destas drogas é o fígado, e os principais órgãos excretores dos anestésicos locais são os rins, o envelhecimento é um dos fatores relevantes para a  eliminação eficaz das substâncias e de seus metabólitos (MALAMED, 2005). Se um idoso pode apresentar função renal reduzida, os níveis sanguíneos dos anestésicos ficam potencialmente elevados e existe uma propensão maior à efeitos tóxicos (FERREIRA, 1999). Por isso, sempre que possível, deverão ser utilizados volumes menores de anestésicos locais neste grupo de pacientes, como também, a respeito dos anestésicos citados anteriormente, a bupivacaína deverá ser evitada, uma vez que apresenta um maior tempo anestésico e cardiotoxicidade mais alta.

Outro ponto de atenção durante essa anestesia deverá ser a presença e concentração do vasoconstritor contido na solução anestésica selecionada. Nos pacientes idosos, especialmente aqueles com deficiência na metabolização hepática e na eliminação dos fármacos, a melhor opção é a epinefrina. Atualmente, essa alternativa está disponível no Brasil associada, apenas, a articaína 4%. Porém, no caso de contraindicação absoluta da epinefrina ou da articaína, a segunda escolha anestésica para o atendimento do idoso poderá ser a Prilocaína com Felipressina, visto que a utilização de soluções sem vasoconstritor, nestes pacientes, deve ser evitada.

Sobre a quantidade, com a epinefrina na concentração de 1:200.000, pode-se utilizar até 4 tubetes por consulta, o que representa um aumento da margem de segurança em relação aos anestésicos menos diluídos, como 1:100.000 e 1:50.000, muito relevante para procedimentos cirúrgicos. Dessa forma, além de ter à mão uma menor quantidade de vasoconstritor dentro da solução, ainda é possível contar com as características da metabolização da articaína, visto que essa ocorre 90% no plasma sanguíneo, diminuindo o risco de sobrecarga do fígado, e apresenta meia-vida reduzida em relação ao padrão ouro, a lidocaína. 

Como reforço do que já foi dito, receber um idoso no consultório exige que o dentista esteja ciente dos importantes cuidados antes, durante e após o procedimento, principalmente aqueles que requerem a utilização dos anestésicos locais. Se tratando de um paciente multidisciplinar e multifarmácia, a comunicação com familiares e médicos contribui para a criação de uma rede de apoio, com a qual o idoso pode se manter confiante a cada etapa do tratamento. Adicionalmente, após a conclusão desse, faz toda diferença quando o dentista se coloca à disposição, seja para esclarecer possíveis dúvidas, seja para garantir que o mesmo não apresentará complicações pós-operatórias. 

Por fim, não restam dúvidas de que ser um profissional preocupado e atencioso nunca é excessivo para tratar pacientes geriátricos, grupo que, assim como outros, possui suas particularidades, mas que já vivenciou um longo histórico de intervenções odontológicas e que merecem novas experiências positivas. 

REFERÊNCIAS:

MISCH CL. Implantes dentários contemporâneos. 2ª ed. São Paulo: Santos; 2006.

BARROS JJ. Cirurgia bucal no idoso In: Brunetti RF, Montenegro LM. Odontogeriatria: noções de interesse clínico. São Paulo: Artes Médicas; 2002.

DAMIÃO CF, Santos SFF, Freire RM, Marchini L. Saúde bucal dos pacientes idosos institucionalizados. Rev Paul Odontol. 2002;24(6):30-3.

FARIA FAC, Marzola C. Farmacologia dos anestésicos locais: considerações gerais. BCI. 2001;8(29):17-23.

MALAMED SF. Manual de anestesia local. 5ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2005.

FUNG EYK, Shaw DK. Pharmacologic management of the geriatric dental patient. Gent Dent. 1989;37(5):394-6.

FERREIRA MBC. Anestésicos locais. In: Wannmacher L, Ferreira MBC. Farmacologia clínica para dentistas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1999. p.104-17.



error: Content is protected !!